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Contexto do Acordo Nuclear e do Mecanismo “Snap-Back”
Quase dois meses se passaram desde o início da guerra entre Irã e Israel, e as negociações por um novo acordo nuclear continuam estagnadas. A recusa iraniana em ceder levou ao impasse e, subsequentemente, ao conflito militar atual.
Nesta semana, as grandes potências europeias (França, Alemanha e Reino Unido — o E3) intensificaram sua pressão. Elas definiram o final de agosto como prazo-limite para acionar o mecanismo de “snap-back”, que restabeleceria sanções internacionais sobre o Irã caso ele não voltasse às negociações.
O mecanismo, previsto no acordo nuclear de 2015, permite às partes envolvidas retomar sanções anteriormente impostas pelo Conselho de Segurança da ONU, sem possibilidade de veto por parte dos membros permanentes — deixando o Irã vulnerável, mesmo na ausência de apoio de potências como China ou Rússia.
Se ativado, tais sanções incluirão embargo completo de armas, proibição de enriquecimento de urânio, restrições a testes de mísseis balísticos com capacidade nuclear, congelamento de ativos e proibição de voos para autoridades iranianas, além de inspeções em aviões e navios para apreensão de mercadorias proibidas. O prazo para acionamento do mecanismo encerra-se em outubro.
O Impacto Interno: “Ameaça Existencial” e Crítica ao Presidente
Autoridades iranianas qualificaram a possível reativação das sanções como uma “ameaça existencial”. Uma fonte em Teerã declarou que o regime não tem capacidade econômica ou militar para suportar o retorno das sanções da ONU, o que provavelmente desencadearia protestos populares, possivelmente de natureza mais intensa que os anteriores. Outro oficial afirmou: “Sanções são mais prejudiciais do que a guerra”.
Reconhecendo o risco, o Conselho Supremo de Segurança Nacional do Irã teria instado o presidente a buscar negociações antes que fosse “tarde demais”.
Concomitantemente, o país enfrenta uma crise hídrica aguda. Em resposta a uma provocação do primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu — que sugeriu ajuda israelense ao povo iraniano após uma possível queda do regime — o presidente iraniano respondeu com veemência: “Isso é ilusão… aqueles que falam de modo tão hipócrita sobre preocupação humanitária são imensamente desprezíveis”.
O presidente admitiu publicamente sua impotência frente à crise dos recursos hídricos: “Não temos água, nem abaixo dos pés, nem atrás das barragens”, afirmou, ressaltando que o Irã se encontra em um “grave estado de crise”.
Reação Conservadora: “Burocratas como oponentes”
O jornal conservador Kayhan, controlado pelo aiatolá Khamenei, atacou o presidente chamando suas declarações de resultado de “ignorância”. O editorial criticou a postura do governo como uma falsa dicotomia entre guerra ou negociação, e expressou esperança de que suas palavras fossem apenas um “lapsus linguae”. Outros setores do governo, incluindo os Qods e parlamentares, também criticaram publicamente o discurso presidencial.
Em resposta, o presidente defendeu sua postura nas redes sociais: “Falar de forma clara sobre os problemas é uma forma de honra à consciência do povo, que é o verdadeiro dono do país… viemos para construir, não para esconder; falamos com o povo com honestidade, não como despertadores de pânico”.
Perigos Estratégicos Persistentes
Embora o programa nuclear iraniano tenha sido substancialmente danificado durante a guerra de 12 dias — evidenciado por avaliações internacionais — ainda persistem dois fatores alarmantes:
- A motivação do regime aumentou para avançar em sua capacidade nuclear, na medida em que sua dissuasão convencional demonstrou-se frágil.
- O Irã detém mais de 400 kg de urânio enriquecido a 60%, volume suficiente para produzir múltiplas ogivas nucleares com enriquecimento adicional.
O primeiro-ministro israelense afirmou que, embora o estado nuclear iraniano tivesse sido seriamente comprometido, os 400 kg de urânio enriquecido permanecem, o que ainda não configura capacidade para armar bombas, mas não deve ser considerado irrelevante. Ele também afirmou que Israel está preparado para atuar caso o Irã tente reconstruir seu programa nuclear.
Especialistas alertam que o regime iraniano está em uma crise estratégica profunda — uma combinação da guerra, conflito com Israel, crise hídrica e envolvimento externo — uma sequência de choques sem solução clara. A probabilidade de novo confronto cresce caso o Irã perceba uma iminente ameaça israelense, embora o regime tenha consciência de que repetir o que aconteceu no início da guerra seria demasiado perigoso. A estratégia iraniana parece, nesse cenário, buscar reconstruir sua rede de influências regionais, mesmo ante impactos severos em seus aliados como o Hezbollah e facções no Iraque.
Fontes:
- Israel Hayom. “Iran faces existential threat as EU nations set deadline for snapback sanctions.” Disponível em: https://www.israelhayom.co.il/news/world-news/middle-east/article/18634888
- Acordo Nuclear do Irã (JCPOA) — Conselho de Segurança da ONU.
- Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) — Relatórios sobre enriquecimento de urânio do Irã.