Por Miguel Nicolaevsky – Exclusivo CaféTorah.com
Entre as colinas sagradas de Jerusalém repousam testemunhas discretas de séculos de história. Não são pergaminhos escondidos, nem artefatos resplandecentes — mas vigotas de madeira, silenciosas e desconsideradas. Algumas dessas vigas, removidas da Mesquita de Al-Aqsa durante restaurações no início do século XX, guardam uma história tão antiga quanto a própria fé.
Poderiam elas, de fato, ter pertencido às estruturas dos Templos de Jerusalém, observado a pregação dos profetas e até ouvido as palavras de Yeshua de Nazaré? A arqueologia, surpreendentemente, sugere que sim — embora com cautela e honestidade científica.
Índice
Madeira que Conta Histórias Multisseriadas
Durante as restaurações da Mesquita de Al-Aqsa nas décadas de 1930 e 1940, dezenas de vigas enormes — algumas com mais de 12 metros — foram removidas do teto, arcadas e outras partes da estrutura. Essas vigas foram então catalogadas, estudadas e em muitos casos guardadas no Museu Rockefeller e em outras coleções.
Pesquisadores como Peretz Reuven observaram que muitas dessas vigas não eram simples componentes originais da mesquita — elas mostravam dois sinais arqueológicos importantes:
🔸 Reutilização (Secondary Use)
É comum no mundo antigo reaproveitar materiais construtivos valiosos, especialmente madeira de cedro ou cipreste — espécies caras e duráveis. Isso é conhecido entre arqueólogos como secondary use: um objeto construído em um contexto é desmontado e reutilizado em outro.Library
🔸 Carvões, insígnias e marcas estilísticas antigas
Algumas vigas exibem entalhes e padrões decorativos que não correspondem apenas ao estilo islâmico inicial, mas que parecem remontar a épocas anteriores, incluindo a era imperial romana — justamente o tempo de Herodes, o Grande.
Datação Científica: O Que o Carbono-14 Revela
Testes de radiocarbono (C-14) e análises de anéis de crescimento feitos em muitas dessas vigas mostraram uma variedade surpreendente de idades:
- A maioria delas data dos períodos bizantino e islâmico inicial (séculos IV–VIII d.C.), o que se alinha com as fases iniciais da Mesquita de Al-Aqsa.
- Algumas vigas, porém, mostraram idades muito anteriores:
- Uma datada em torno do século VII a.C., no período do Primeiro Templo.
- Outra datada por volta do século IX a.C., no início do período monárquico de Israel.
- Outras vigas datam da época do Segundo Templo Herodiano ou logo antes dele.
Isso significa que árvores que cresceram e foram cortadas há milhares de anos foram depois reutilizadas — em sucessivas construções que terminaram, em parte, integradas no complexo da Mesquita de Al-Aqsa.
Conexões Bíblicas com Madeira Ancestral
1. A Construção do Templo de Salomão
A Bíblia descreve o uso de madeira nobre no Primeiro Templo:
“Revestiu a casa por dentro com tábuas de cedro, desde o pavimento até as vigas do teto.”
1 Reis 6:15
Hebraico:
וַיַּצַּף אֶת־קִירוֹת הַבַּיִת מִבַּיִת בְּלִבְנוֹת אֲרָזִים
Cedros do Líbano eram um símbolo de prestígio e durabilidade — e era exatamente esse tipo de madeira que aparece em alguns dos feixes estudados.
2. Herodes e o Segundo Templo
No período do Segundo Templo, o rei Herodes, o Grande, realizou uma maciça reconstrução do Monte do Templo. A tradição arqueológica sustenta que estruturas como a Royal Stoa — uma plataforma colossante usada para ensinamentos e juízos — podem ter sido construídas com vigas de madeira robustas. Análises de um feixe encontrado próximo à Golden Gate (Porta Dourada) mostram entalhes e intervalos que podem corresponder ao espaçamento de colunas na Royal Stoa, sugerindo uso anterior a Al-Aqsa.
Uma História de Reuso e Continuidade
A trajetória dessas vigas — de uma construção monumental para outra — ilustra como materiais valiosos viajavam entre eras e culturas:
- Primeiro Templo (possivelmente parte de estruturas anteriores ou depósitos);
- Segundo Templo e época herodiana (usadas em construções confluentes do complexo);
- Byzantino e outros edifícios pré-islâmicos;
- Mesquita de Al-Aqsa (século VII d.C. em diante), com vigas reaproveitadas;
- Remoção e preservação no século XX.
Esse caminho nos lembra que Jerusalém é um palimpsesto — uma escrita arquitetônica de múltiplas camadas.
O Que Isso Significa para Nós Hoje?
Não há prova definitiva de que qualquer vigamento existente veio diretamente de um Templo bíblico específico — e a ciência é cuidadosa em não afirmar isso sem evidência conclusiva. No entanto, a possibilidade arqueológica de que algumas vigas tenham sido parte de estruturas associadas ao culto judaico antigo ou ao tempo de Yeshua não pode ser descartada.
Mais do que uma simples curiosidade histórica, isso nos liga à realidade de um Deus que habita a história, não a abstração. Nossas Escrituras não são folclore sem conexão com o mundo físico — elas falam de lugares, tempos e pessoas que deixaram vestígios palpáveis.
“Perguntai pelas veredas antigas…”
Jeremias 6:16
שְׁאֲלוּ נָא לִנְתִיבוֹת עוֹלָם
Essas vigas nos convidam a olhar além do óbvio e a valorizar o testemunho silencioso da criação — incluindo os artefatos que, de outra forma, seriam apenas “madeira velha”.
Referências Acadêmicas
- Peretz Reuven, Wooden Beams from Herod’s Temple Mount: Do They Still Exist? – Biblical Archaeology Review (estudo sobre utilização terciária e possíveis origens herodianas).
- Nili Liphschitz, Gideon Biger et al., “Comparative Dating Methods: Botanical Identification and C-14 Dating of Carved Panels and Beams from the Al-Aqsa Mosque in Jerusalem,” Journal of Archaeological Science 24 (1997).
- R.W. Hamilton, Structural History of the Aqsa Mosque, Oxford University Press (1949).
- Israel Antiquities Authority archives on radiocarbon dating de vigas.