No final de 2006 um filme blockbuster encantou multidões. Uma Noite no Museu conta a história de um guarda noturno que trabalha no Museu de História Natural de Nova York onde durante a noite os personagens retratados ganham vida. Soldados romanos, pistoleiros do velho oeste, um presidente dos Estados Unidos e muitas outras figuras históricas entram em ação em uma aventura fantástica. O filme arrecadou mais de 570 milhões de dólares e fez com que muitas pessoas imaginassem viver uma noite num museu.
A ficção, estrelada por Ben Stiller e dirigida por Shawn Levy, dois artistas judeus, pode, em parte, se tornar realidade em Israel. No norte do país, na milenar cidade de Tiberíades e a dois passos do Mar da Galiléia se encontra o único hotel-museu do mundo. Chama-se Beit Shel Dona Gracia (הבית של דונה גרציה), ou Casa de Dona Gracia.
Hospedar-se no Beit Shel Dona Gracia permite experimentar um pouco do que Stiller vivenciou na ficção. Além de passar uma noite num verdadeiro museu, os hóspedes podem participar da história, interagindo com objetos que pertenceram a Dona Gracia, vestindo trajes e indumentárias semelhantes às usadas na época em que viveu esta famosa judia. Mas, quem foi Dona Gracia?
Gracia Mendes Nasi foi uma judia portuguesa que nasceu em Lisboa no dia 20 de junho de 1510. Era empresária, filantropa e protetora de outros judeus portugueses. Pela forma como desenvolveu suas atividades comerciais, Gracia Nasi é reconhecida como a provável mãe da globalização.
Equipamento para transporte de especiarias pertencente a Gracia Nasi
Bisneta de um importante judeu chamado Don Abraham Benveniste de Castela, ao nascer Gracia recebeu o nome hebraico de Hannah, mas como viveu numa época em que o antissemitismo grassava, optou por usar a variação Gracia, que em espanhol tem o mesmo sentido de Hannah, que é “graça”.
Mas não bastou mudar de nome, pois diante dos acordos bi-laterais firmados entre Espanha e Portugal houve um recrudescimento da perseguição aos judeus e Gracia Nasi, simulando conversão ao catolicismo, mudou novamente o nome para Beatrice de Luna Miques.
Na sua ação filantrópica, durante o tempo em que esteve em Portugal além de judeus praticantes, Gracia Nasi contribuiu para salvar da morte centenas de cristãos-novos e de marranos.
Ainda jovem assistiu à morte do esposo, um riquíssimo banqueiro judeu chamado Francisco Mendes e, ao contrário do que era de se esperar àquela altura da História, não se resignou ao papel de viúva acomodada a gozar a fortuna herdade. Dona Gracia assumiu o controle dos negócios da família e tornou-se a mulher mais poderosa da sua época.
Gracia Nasi financiou a construção de sinagogas, yeshivot e bibliotecas. Nos últimos anos, retornou à fé dos seus antepassados “reconvertendo-se” ao Judaísmo. Passou a apoiar estudos acadêmicos e a financiar estudantes da Torah.
Tzvi Schaick diretor geral e curador do hotel-museu Dona Gracia Nasi
Em 2010, por ocasião das comemorações dos 500 anos de nascimento de Hannah Nasi, o diretor geral e curador do hotel-museu, Tzvi Schaick, esteve em Portugal onde participou do I Congresso da Memória Sefardita. Na oportunidade, além de Tzvi Schaick, Gracia Nasi também foi relembrada por uma descendente direta, a portuguesa Monique Benveniste.
Monique Benveniste preside a Comissão Executiva da Cátedra de Estudos Sefarditas e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Ao receber as homenagens, Benveniste lembrou emocionada que nos anos 30 do século passado, mais de 400 anos depois da morte da sua ilustre antepassada, a família retornou a Portugal fugindo da perseguição nazista. “Saímos de Portugal por sermos judeus e voltamos por sermos judeus”, concluiu a homenageada.
Quem for a Israel e quiser conhecer um pouco mais da vida de Gracia Nasi, deve ir a Tiberíades. Lá, poderá visitar a casa que mantém diversos objetos pertencentes à precursora da globalização e, caso queira, poderá até mesmo vivenciar uma fantástica experiência renascentista passando… uma noite no museu.